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porta de casa
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a casa do meu verbo

iara pimenta

verbos meus e outros verbos

“Há pessoas que sentem pouco a poesia.

 Geralmente são as que se dedicam a ensiná-la”.

                                                                   Jorge Luis Borges

 

DO TEMPO EM MIM

 

Há algum tempo joguei ao vento a certeza do porvir de dias melhores.

Vieram todos os tipos de vivências, dias e noites, e certamente os dias mais felizes da minha vida,

que se amontoaram em outros, e outros também tristes.

E nesse amontoado de pedaços de tempo vividos, fiz mais perguntas do que obtive respostas.

E das dúvidas que ainda persistem, guardo a ignorância do papel do tempo em minha vida.

Como falar sobre o tempo? Nada sei sobre ele.

Na intimidade de nosso dueto, apenas sinto seu inexorável incômodo.

Coadjuvante, insiste em roubar meu protagonismo.

 

           Respiro, respiro, respiro

           E meu ar se queima.

na varanda

O LOBO VIGILANTE E A COBRA CRIADA

 

Era uma vez um lobo vigilante que devorava cabeças de cobras.

 

O lobo e as cobras viviam em um reino notório por suas inúmeras e frustradas tentativas de colocar em seu trono um leão regente digno de suas terras abençoadas.

 

Porém, os leões estavam em extinção e os que ainda existiam não se prestavam mais a tal papel.

                                                

O trono vazio de um reino de riquezas era extremamente tentador, e alguns animais, em especial as cobras, buscavam oportunamente a ocupação desse trono.

 

Para tal, as cobras, demasiadamente astutas, valeram-se da pele de leão obtendo assim a confiança dos animais, que carentes de um guia e sem perceber, transformavam sua confiança em idolatria, compondo assim um exército fiel ao farsante da vez, incapazes de perceberem as costuras malfeitas de tal disfarce.   

Mas se as cobras eram sagazes em seus disfarces, também tinham lá suas fraquezas, dentre elas, a pouca habilidade em esconder seu cheiro pútrido de animal peçonhento, e, aqui e ali, tinham suas cabeças devoradas pelo lobo vigilante, cujo faro era seu maior dom natural. 

 

Com o tempo e a cada rei posto, o lobo vigilante ia acumulando inimizades, afinal, os exércitos de animais viam seus reis idolatrados sendo mortos pelo lobo frio e impiedoso, um a um.  A forma como devorava suas presas, ainda que peçonhentas, estranhamente ativava a piedade dos que assistiam.

 

Com isso, já não era mais seguro para o lobo caminhar pelo reino, e talvez tenha sido essa a razão de sua solidão e constante vigilância.

                                                           

Certa vez, com o trono novamente desocupado e o reino ainda traumatizado com a descoberta da jararaca camuflada de leão que reinava há repetidos anos, os animais resolveram eleger seu mais vigoroso oponente, na esperança de que um verdadeiro leão finalmente assumisse o trono. Os animais estavam divididos, mas a voz da maioria prevalecera, como era de se esperar.   

                                              

O novo rei eleito, aparentemente um leão de juba dourada, em realidade cobra criada há muitos anos no serpentário que circundava o castelo, temeroso pela perda de sua cabeça, resolveu trazer para perto de si o temido lobo comedor de cabeças. Tendo-o às vistas e como aliado, pensava, poderia com seu veneno enfraquecê-lo pouco a pouco, ou, quem sabe, seduzi-lo com as riquezas do reino.

                                               

Não se sabe ao certo o porquê o lobo aceitara tal convite, talvez acreditasse que o rei era um leão, talvez pelo poder e riquezas oferecidas, talvez desconfiasse que o rei fosse uma cobra, e estando próximo à mesma, poderia mais facilmente devorar sua cabeça, talvez pelo ideal de um reino puro e livre de víboras. 

 

A cobra criada, dispersa com as maravilhas que o poder lhe trazia, agia descuidada perante a corte, e embora retirasse pouco a pouco os poderes que concedera ao lobo vigilante, ignorava sua real natureza, passando-lhe despercebido a insatisfação do mesmo ao desconfiar de tal artimanha.

 

Com o tempo, o lobo, com seu faro natural para cobras, já não tinha mais dúvidas sobre quem de fato era o rei, e embora enfraquecido e acuado, resolvera abandonar o castelo em momento crítico, mas não sem antes tentar revelar aos animais a verdadeira face de seu rei, avançando abruptamente em seu pescoço.

 

Feito isso, mas sem arrancar-lhe totalmente a cabeça, expusera apenas parte de sua pele de víbora, deixando corte e súditos estupefatos, que, com dúvidas ou certezas, passaram a se posicionar conforme suas próprias crenças e conveniências.

 

Sem tempo a perder, a cobra criada, blindada por seus súditos mais fiéis, procurou chamar a atenção dos animais para o suposto crime de traição do lobo vigilante, desvirtuando seus olhares de seu traje em parte desfigurado. O lobo vigilante com isso prometeu voltar para finalizar a matança e revelar a verdadeira identidade do rei.

 

Boa parte dos animais do reino, apavorados com a possibilidade de mais um engano descomunal, voltaram-se contra o lobo vigilante que se mostrava determinado em retirar-lhes a venda dos olhos. Não suportavam mais a revelação avassaladora de que pudessem ser apenas um bando de tolos animais. Outra parte não hesitou em desqualifica-lo pelas impiedosas mortes de seus antigos reis, ainda que fossem cobras.

 

E a vida no reino seguiu seu curso, tal e qual em tempos anteriores, aguardando pelo tão esperado dia de prosperidade, incansavelmente anunciado pelos contos apaixonados de seus trovadores.

 

Moral da história:

 

“Podemos tentar esconder nossa real natureza, e ao cair das máscaras, apenas os que estão dispostos e se valem de um de seus olhos verão o que está por trás do que tentamos esconder.”

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