Iara
más companhias
(um conto esquisito)
Sentiu o peito chegar às costas, tamanha força que a companheira fazia para lhe prensar contra a parede. Suas discussões se tornavam cada vez mais nocivas, mais sentidas. Desiquilibrava-se toda vez que tentavam lhe tirar o prumo. Em seus pulmões parecia não restar mais nada. Ansiou pelo ar, mas foi o passado que apareceu. Não se lembrava ao certo em que dia resolveram se juntar, mas perdera a conta de quantas vezes tentara largá-la. Procurou as terapias e os conselhos, que até se importavam, mas a ajuda parecia ser inexistente. A companheira era mais forte que ele. Por diversas vezes pensou que o divórcio seria sua única alternativa, mas então vinha a morte para lembrá-lo que estava à espreita. Entre tantos conflitos estava sempre a companheira. Se escondia nos lugares mais inusitados, mas o preferido era mesmo a caixa das cartas nunca enviadas. Ali se fazia presente em cada endereço, cada palavra, cada fotografia daquilo que poderia ter sido mas nunca fora. Astuta e vaidosa, trocava as roupagens a cada novo evento, sem deixar que se ele acostumasse a ponto de não se incomodar mais. Fora tantas vezes ruiva, quanto loira e morena. Na prosa com o passado, lembrou-se de quando a levara para um bar. Não entendia bem porquê, mas os bares o ajudavam a se esquecer de quem era, e isso era bom. Sentados lado a lado, ele viu o ignorado escolher músicas que lhe soavam familiares. A companheira se levantou e caminhou para não se sabe onde. Respirando enfim com o alivio e a paz que lhe eram tão raros, ele olhou pela janela. Ali, no pequeno jardim rodeado pelo muro marrom, o mato crescia despercebido pelos transeuntes e olhares desinteressados. No alto, o luar se confundia com a luz incandescente, que parecia lhe mostrar os contornos da presença sempre incômoda. Desejou ser vegetação. O momento faz-de-conta foi interrompido pelo inconveniente que lhe perguntou se queria algo mais. Ao lado dele, em pé e soberana, estava a companheira que retornara. Com isso, foram-se o alívio e a paz. No olhar, o desânimo balbuciou: — Você de novo? Porque não lhe diz? A companheira apenas o fitou com olhos de quem ri com o sarcasmo. Ele agiu como sempre agira quando queria se livrar dela: —Traga qualquer coisa. E como aqueles que vêm para salvar, chegou a distração. Ele se virou para o salão de corpos presentes. Entre esses viu a desconhecida que dançava com o parceiro. Quando esse a deixou com a ausência, a esperança apareceu. A desconhecida então brilhou. Seu corpo ficou envolto por uma luz forte e extraordinária. O pequeno minuto insistia em ser infinito, imaginando-se suficiente e capaz de leva-la até ele. Com a dificuldade, conseguiu. Ansiando também por ele, o desconhecido, ela mal se reconhecera ao propor a troca frenética de confidências para preencher o espaço que estava vazio. Ali, entre os dois, a aflição os lembrava que esse minuto não traria tantas palavras que lhes justificassem o encontro com o futuro. Foi-se o minuto. A companheira e o parceiro então se aproximaram. O momento os lembrou de que sequer sabiam seus nomes. A educação, que os observava atentamente, sugeriu que se apresentassem. Ele, ora desconhecido, então lhe diz: — Eu sou o sofrimento, e esta é a dúvida, minha persistente companheira. Ela, ora desconhecida, corresponde: — Eu sou a covardia, e este é o medo, meu eterno parceiro. A oportunidade, testemunhando o não encontro, entende que o destino não estava disposto naquele dia, e então se retira. E todos assim também o fazem. A covardia, embora desejasse ser a coragem, se vai com o seu medo. O sofrimento, sem saber se poderia ser o amor, fica apenas com sua dúvida.