a vida parecia não lhe ser tão gentil
posto que não lhe ofertava a vez na dança
e como seus dias se passavam assim, expectadora
sentava-se no meio fio de uma dessas praças qualquer
de onde soam os ventos gélidos que lambem os cinzas dos pavimentos russos
ali os pombos de pescoços em passos de três tempos
um, dois, três
um, dois, três
um, dois, três
valseiam à espera do velho de pernas compridas
que lhes trazia sua porção diária de farelos
e faminta, sabe-se lá do que
misturava-se às aves, como se bicho fosse
que com a presença perdiam o tom da dança
numa balbúrdia de asas e bicos abertos
foi quando num dia desses que acontecem
o velho chamou-a do alto de suas pernas
como num ato de caridade
- ou talvez fossem seus sapatos vermelhos -
levou-a, e em sua morada encheu-lhe o coração
contou-lhe histórias
alertou-a sobre seus não podes
e então, deixando-a com os cantos da casa
partia e retornava
um, dois, três
um, dois, três
um, dois, três
partia e retornava, ao seu convir
a menina, como aqueles que fitam o portão
aguardava pelo abrir que lhe traria a comida dos preferidos
e foi naquele dia que lhe trouxe o espelho
defrontou-se com seu reflexo de asas e penas
pois que então percebera... jamais fora menina alguma
um, dois, três...um, dois, três...um, dois, três...um, dois, três
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